terça-feira, 18 de junho de 2013

Epitáfio


Existo há dezenove verões e, há pelo menos dez, vivo à sombra das minhas mentiras. Uma década inteira de atalhos e truques para encobrir meus segredos mais obscuros. Os esqueletos do meu armário tremem e vibram a cada nova adição à coleção nada orgulhosa de inverdades.
Minha infância e adolescência foram escritas em páginas surradas de um livro feio e maltrapilho. Cada linha, cada palavra, cada vírgula foi dolorosamente escrita com meu sangue sujo. Cada pequena volta feita pela pena é como uma faca entalhando minha pele nojenta.
Nunca toquei outro e nunca fui tocado. Todo sentimento falso que senti veio disfarçado de amor. Nada de bom ou virtuoso tocou este impuro e gelado e duro coração. Não há luz em minhas trevas, nunca houve luz que se apagou para se tornar trevas. As trevas apenas lá residem. Lá nos recantos mais longínquos do meu labirinto secreto que os doutores chamam de mente.
Para que confiar, se serei traído? Por que confiais em mim, se por míseras moedas de prata, eu vos trairia sem repensar nem uma vez sequer? Não gastaria um só segundo em prol de carinhos.
Pessoa pequena e ingênua, cega demais para ver que só o que desejo é lhe roubar a inocência e suas lágrimas. Súplicas serão ignoradas, assim como foram as minhas há tempos atrás. Minha voz de criança já se calou há anos e não se ouve nem mais um mísero riso infantil e inocente ecoar pelas paredes do meu labirinto.
Não me prestem homenagens quando eu me for! Nem se fosse vivo me daria o trabalho de prestar atenção. Não deposite flores em meu túmulo pois meu veneno irá corroê-las uma a uma. Não há de crescer uma folha verde sequer sobre meu corpo apodrecido e devorado por vermes e parasitas.
Escreverei eu mesmo o resto das poucas páginas restantes deste livro podre. Eu mesmo hei de rasgar minhas artérias para obter o sangue que servirá de tinta para minha pena.
Nenhum amor. Nenhum fruto. Nenhuma lembrança. Só a escuridão interminável do esquecimento.