quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Pesadelo 2


Eis-me aqui.
Deitado à sombra de uma árvore morta.
Com meus olhos fechados,eu vejo apenas a escuridão.
Os únicos sons que ouço são o assobio sombrio do vento e a água atingindo as rochas na margem do rio.
Eis-me aqui.
Deitado à sombra de uma árvore morta.
Apenas o rio vermelho ao meu lado.
O rio de águas vermelhas.
Vermelhas como o sangue de mil soldados brutalmente mortos em batalha.
Eis-me aqui.
Deitado à sombra de uma árvore morta.
Assistindo à lua cheia lançar seu feitiço sobre o rio morto, fazendo as águas vermelhas subirem o leito e alcançar as raízes podres da árvore morta.
Eis-me aqui.
Deitado e morto no fundo do rio vermelho.
Afogado pela maré rubra que veio à noite e apagou minha luz.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Insônia


Imóvel. Permaneço inerte todo o tempo. Meus pulmões já não tragam mais o oxigênio, meus músculos estão atrofiados pela falta de uso e meu coração, há muitas luas, não bate, não bombeia o sangue pro resto do meu corpo. Largado num canto úmido, fedido e escuro eu enferrujei, me tornei obsoleto e não sirvo mais pra nada. Mas meus olhos captam tudo e todos. Ao contrário dos outros sistemas orgânicos meus olhos nunca estiveram mais aguçados e vorazes. Toda minha força se esvaiu, mas como peixes resistentes que lutam contra a correnteza para procriar, meu olhos resistiram à inércia.
Agora minha mente se enche de qualquer coisa que minhas retinas captam, nenhuma informação ou imagem é filtrada ou selecionada. Foram se acumulando imagens do céu azul ou cinza e da lua cruzando o veludo azul transpassando suas fases e lançando seus feitiços. Encheu-se uma gaveta no meu arquivo, e depois mais uma, e mais uma, e mais outra, até que se acumularam arquivos e mais arquivos. E caixas, e mais caixas, cheias de informação inútil e perturbadora. No começo era fácil descansar meus olhos. Deitar nos braços de Morfeu era delicioso e revigorante para meus olhos. Mas agora eu não ouso piscar, pois temo que as imagens gravadas no meu lobo temporal me levem à extrema loucura. Morfeu já não recebe minhas visitas há muitos séculos e é provável que fique sem me receber em seu abraço por vários milênios. 
Tenho medo do que possa acontecer se meus olhos não pararem de registrar e armazenar tudo que reflete a luz. Mas ainda tenho esperanças de que minhas retinas sequem e eu fique totalmente cego e que não me reste mais nenhum sentido ou sensação para que eu possa me entregar completamente a Morfeu e me deitar em seus braços sem nunca mais acordar.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Epitáfio


Existo há dezenove verões e, há pelo menos dez, vivo à sombra das minhas mentiras. Uma década inteira de atalhos e truques para encobrir meus segredos mais obscuros. Os esqueletos do meu armário tremem e vibram a cada nova adição à coleção nada orgulhosa de inverdades.
Minha infância e adolescência foram escritas em páginas surradas de um livro feio e maltrapilho. Cada linha, cada palavra, cada vírgula foi dolorosamente escrita com meu sangue sujo. Cada pequena volta feita pela pena é como uma faca entalhando minha pele nojenta.
Nunca toquei outro e nunca fui tocado. Todo sentimento falso que senti veio disfarçado de amor. Nada de bom ou virtuoso tocou este impuro e gelado e duro coração. Não há luz em minhas trevas, nunca houve luz que se apagou para se tornar trevas. As trevas apenas lá residem. Lá nos recantos mais longínquos do meu labirinto secreto que os doutores chamam de mente.
Para que confiar, se serei traído? Por que confiais em mim, se por míseras moedas de prata, eu vos trairia sem repensar nem uma vez sequer? Não gastaria um só segundo em prol de carinhos.
Pessoa pequena e ingênua, cega demais para ver que só o que desejo é lhe roubar a inocência e suas lágrimas. Súplicas serão ignoradas, assim como foram as minhas há tempos atrás. Minha voz de criança já se calou há anos e não se ouve nem mais um mísero riso infantil e inocente ecoar pelas paredes do meu labirinto.
Não me prestem homenagens quando eu me for! Nem se fosse vivo me daria o trabalho de prestar atenção. Não deposite flores em meu túmulo pois meu veneno irá corroê-las uma a uma. Não há de crescer uma folha verde sequer sobre meu corpo apodrecido e devorado por vermes e parasitas.
Escreverei eu mesmo o resto das poucas páginas restantes deste livro podre. Eu mesmo hei de rasgar minhas artérias para obter o sangue que servirá de tinta para minha pena.
Nenhum amor. Nenhum fruto. Nenhuma lembrança. Só a escuridão interminável do esquecimento.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Apodreço!

 
Acabou. Eu perdi a guerra depois de dez anos de batalhas atrozes sem nenhum tempo para descansar.
Para ser sincero, eu desisti de lutar e deixei que as sombrar vencessem, decidi permitir que me consumissem e, me surpreendi, quando senti o toque dos dedos cadavéricos e frígidos das trevas. Eu senti um prazer mórbido ao toque gelado sobre minha pele.
Hoje eu anseio pelo toque da escuridão, anseio pela névoa macabra para que me envolva e faça exalar o cheiro pútrido de sangue podre. Ah! o cheiro penetrante e adocicado de morte. Minh'alma clama em desespero por sofrimento e meus tímpanos vibram de prazer ao ouvir o silêncio se maculado por gritos de puro terror.
Me perco em êxtase quando tocado pelo frio mortificante que atravessa minha carne e abraça meus ossos. E esse frio me toma com violência e violenta meu espírito obsceno.
Que a Lua sangre! E que corvos agourentos espalhem a enfermidade da mente! E que tudo desabe às ruínas até que não reste uma só mente sã na face desta terra maldita.

domingo, 21 de abril de 2013



Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alterava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.

sexta-feira, 15 de março de 2013

I Walk Alone


Eu perco um pouco de mim em cada esquina que eu dobro, em cada caminho que eu traço, em cada gota de sangue que eu verto. Cada pedacinho dos lugares onde passei e das pessoas que eu marquei tem parte de mim. Você pode me sentir na carteira em que eu sentava na escola, nos livros que eu li na biblioteca da cidade, nos abraços verdadeiros que eu dei,  nos desenhos que eu deixei nas mesas de bar, nas butucas de cigarro que larguei na rua, nas garrafas de vinho que eu esvaziei. Talvez você tenha uma parte importante de mim e nem saiba.

terça-feira, 12 de março de 2013

O Corvo



Era meia-noite fria; e eu, débil e exausto, lia
alguns volumes de vagos saberes primordiais.
E, já quase a adormecer, ouvi lá fora um bater
como o de alguém a querer atravessar meus portais.
“É um visitante que intenta atravessar meus portais” –
pensei. – “Isto, e nada mais!”
 
Tão claramente me lembro! Era o gelo de dezembro;
e o fogo lançava – lembro – no chão manchas fantasmais.
Pela aurora eu suspirava e nos livros procurava
esquecer a que ora errava entre as legiões celestiais –
aquela que hoje é Lenore entre as legiões celestiais,
sem nome aqui por jamais.
 
E o mover suave e magoado do ermo, roxo cortinado
me deprimia e me enchia de terrores espectrais;
de modo que eu, palpitante, calando o peito ofegante,
repetia: “É um visitante que vem cruzar meus portais,
um visitante, somente, que vem cruzar meus portais.
Isto apenas – nada mais.”
 
Então minha alma ganhou força e não mais hesitou.
“Senhor” – eu disse – “ou senhora que lá fora me chamais.
Mas, porque eu quase dormia, mal ouvi que alguém batia,
que com sossego batia e discrição tão iguais,” –
murmurei, abrindo a porta – “que ao silêncio eram iguais.”
E vi treva, nada mais.
 
A escuridão perquirindo, lá fiquei, tremendo, ouvindo,
sonhando, em dúvida, sonhos que mortal sonhou jamais.
Mas o silêncio insistia, e a calma nada dizia,
e a única voz que eu ouvia eram meus profundos ais
e o nome dela entre os ecos dos meus repetidos ais.
Só isto, só, nada mais.
 
Ao cômodo retornando – minha alma em mim se incendiando –,
ouvi de novo mais forte baterem aos meus umbrais.
“É alguém que bate, lá fora, à minha janela agora
e entrada talvez implora” – pensei, e busquei sinais. –
“Acalma-te, coração, pois que são estes sinais
só o vento e nada mais.”
 
E então abri a janela, e eis que penetrou por ela
na câmara um nobre Corvo desses de eras ancestrais.
Entrou sem deferimento, sem fazer um cumprimento,
dama ou lorde pachorrento, e pousou sobre os umbrais.
Pousou num busto de Palas que havia sobre os umbrais,
pousou lá, e nada mais.
 
Frente à ave preta, surpresa, sorriu-se a minha tristeza,
vendo o seu grave decoro e os seus ares senhoriais.
“Sem crista embora, e tosado,” – disse eu – “pareces ousado,
duro e antigo Corvo, nado dos noturnos litorais.
Dize-me o teu nobre nome lá nos negros litorais!”
E ele disse: “Nunca mais.”
 
Meu espanto foi tremendo tais palavras entendendo
(apesar de sem sentido) que ele disse, naturais.
E quem não teria achado que um homem ter avistado
um pássaro assim pousado por cima dos seus umbrais
é grande espanto, ainda mais no busto sobre os umbrais,
com o nome de “Nunca mais”?
 
Porém a ave ali quieta nada mais disse, discreta,
como se a alma toda desse nesses ditos essenciais.
E nada mais pronunciou, nenhuma pena agitou,
até que de mim saltou: “Amigos já não tem mais.
Na manhã, como os meus sonhos, aqui não estará mais.”
E o Corvo então: “Nunca mais.”
 
Atônito, ouvindo aquilo que ele enunciara, intranquilo
eu disse: “É tudo o que sabes, e mais adiante não vais.
É o que no passado ouviste de algum dono a cujo triste
destino acaso assististe com teus olhos penumbrais –
e cuja dor se exprimia nas sílabas penumbrais
do teu bordão: ‘Nunca mais.’”
 
Mas, sem dele desistir, voltou minha alma a sorrir;
e uma poltrona arrastei para junto dos umbrais.
E, então ali me assentando, uns aos outros fui juntando
mil devaneios, pensando na ave de eras ancestrais,
na lenta, negra, agourenta ave de eras ancestrais
que dizia “Nunca mais”.
 
Lá fiquei, a cogitar, sem um dito endereçar
à ave, cujos olhos fixos em meu peito eram punhais;
lá fiquei, absorto e mudo, pendida sobre o veludo
a cabeça em tal estudo, sob as luzes espectrais –
o veludo que Lenore, entre as luzes espectrais,
não tocará nunca mais.
 
Supus que o ar ficou mais denso de algum ignorado incenso
que os serafins esparzissem com passos angelicais.
“Teu Deus” – me disse – “gerou-te; pelos seus anjos mandou-te
o esquecimento, e aliviou-te de tuas dores brutais!
Bebe o nepente e te esquece de tuas dores brutais!”
Disse o Corvo: “Nunca mais.”
 
“Profeta ou demônio” – eu disse – “que uma asa negra vestisse!
Se foi a procela ou o diabo quem te trouxe aos meus portais;
se nesta terra arrasada, deserta, agra e amaldiçoada,
se nesta casa assombrada pelo horror, de que não sais,
existe alívio – eu te indago, a ti que daí não sais!”
Disse o Corvo: “Nunca mais.”
 
“Profeta ou demônio” – eu disse – “que uma asa negra vestisse!
Pelo alto Céu que nos cobre, pelo bom Deus dos mortais,
dize a esta alma – te conjuro – se nalgum Éden futuro
ela há de rever o puro ser que agora não vê mais,
de Lenore o ser radiante e puro que não vê mais.”
Disse o Corvo: “Nunca mais.”
 
“Que a senha do nosso adeus seja esse dito, ave ou deus!
Retorna, pois, à procela e aos noturnos litorais!
Sequer uma pluma reste a lembrar o que disseste
e que em meu tédio irrompeste! Deixa, pois, os meus umbrais!
Não biques mais o meu peito e foge dos meus umbrais!”
Disse o Corvo: “Nunca mais.”
 
E o Corvo não foi embora: lá ficou, lá se demora,
pousado no busto branco de Palas, sobre os umbrais,
com a aparência tristonha de algum demônio que sonha;
e a luz no piso desenha seus contornos fantasmais;
e eis que, perdida, minha alma dos contornos fantasmais
se livrará – nunca mais!

Poema O Corvo de Edgar Allan Poe, datado de 1845. Tradução de Renato Suttana.

sábado, 9 de março de 2013

Pesadelo 1



Abro meus olhos.
Uma esfera prateada me fita através de um véu turvo.
Percebo então que estou submerso e se  presto mais atenção, percebo que o brilho mórbido que a esfera lança sobre mim é avermelhado. Um vermelho intenso.
Movo meus  braços e sinto que o líquido no qual me encontro submerso é mais denso que a água deveria ser. Então a compreensão me atinge de súbito como um soco. Eu estou mergulhado em sangue. E este sangue não me pertence, não saiu de minhas veias. Eu deveria entrar em pânico agora, mas contra minha vontade eu simplesmente permaneço imóvel.
No desespero de tentar me mover, de repente subo à superfície enquanto contemplo a Lua de Sangue. Como se a Lua fosse o olho solitário de um deus ciclope e perverso a me hipnotizar.
Ao chegar à superfície lanço meus olhos à procura de terra firme, mas tudo que minha visão capta são corpos cadavéricos boiando na substância rubra e viscosa.
Encaro a esfera celeste, e de repente, sinto como se estivesse sendo atraído por ela, por sua vontade sobrenatural. Sinto dedos longos e esqueléticos me puxando pelos pulsos.  No completo silêncio ouço um gotejar, e, ao  olhar para baixo vejo o sangue desconhecido escorrer de meu corpo despido e tingido de vermelho. Não há outro som além deste que se prolonga até que eu seja levado a uma altura onde não ouço mais nada e minha respiração é visível, pois faz tanto frio quanto nos polos do planeta Terra, frio este que invade meu corpo atravessando minhas camadas de carne e músculo para abraçar meus ossos.
À minha frente, a lua gigantesca me contempla intimidadora. Surge então uma presença, uma silhueta que se forma perante a mim. A aparição se parece com uma menina e um anjo, mas o hemisfério oriental de seu corpo é todo queimado e deformado.
A criatura toma meu rosto em suas mãos e me olha dentro dos olhos com seus olhos bancos e sem íris. O monstro crava suas unhas em minha face, e me beija nos lábios. Sem nenhuma chance de resistir de repente sinto um calor infernal, e num estalar de dedos, sou consumido pelas chamas de dentro para fora.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Eu e Eu.


Às vezes sinto saudade de mim mesmo. Eu passo tanto tempo me preocupando com os outros, fazendo de tudo pra manter firmes os laços de amizade que eu esqueço de estreitar relações comigo mesmo. Decidi tirar um tempo  pra cuidar de mim, fechar umas feridas abertas faz muito tempo.

Eu nunca parei pra pensar se eu me conheço bem. Será que eu sei de tudo a meu respeito?
Dizem que ficar muito tempo sozinho faz muito mal. Dizem que um isolamento muito duradouro pode te levar a loucura, mas eu discordo. De vez em quando eu gosto de me isolar durante umas semanas, aproveitar minha própria companhia e tentar organizar a bagunça e desfazer o emaranhado de pensamentos e memórias na minha cabeça, gosto de sentar no terraço nos dias menos quentes de verão, quando o sol não castiga tanto.

Às vezes repassando situações e acontecimentos, eu me pergunto se teria feito diferença se eu tivesse dito ou deixado de dizer alguma coisa, ou feito isso ou aquilo de outra maneira. Quando eu paro e penso que se eu tivesse feito escolhas diferentes eu seria uma pessoa completamente diferente. E aí me vem à mente a grande pergunta: "Se ter feito tudo diferente te fizesse uma pessoa totalmente diferente do que é hoje, você mudaria as suas escolhas?". Eu respondo agora mesmo: Não! Tenho orgulho de quem me tornei. É claro que fiz muita coisa ruim, coisas das quais tenho vergonha até! Mas até mesmo essas coisas vergonhosas ajudaram a formar meu caráter e minha personalidade. Minhas escolhas fizeram de mim o que eu sou hoje.
Daqui pra frente se me perguntarem se me arrependo de algo ou uma má escolha que já fiz sempre vou responder que não, que só me arrependo daquilo que ainda não tive chance de fazer.

É por esses momentos de auto-conhecimento que eu prefiro ficar sozinho. É como olhar por uma janela aberta pra dentro da sua mente.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Surrealism or Reality?

É na floresta dos sonhos perdidos que encontro meu caminho, guiado por memórias que me atormentam e me empurram para frente. E, enquanto eu fujo das minhas sombras, meus fantasmas se alimentam das migalhas que deixei cair da minha alma na vã esperança de achar o caminho de volta. De tanto correr dos meus medos, eu tropeço nas raízes de uma árvore anciã e caio para cima dentro de um buraco nas nuvens e acabo desacordado.

Quando desperto, me encontro preso no interior do nada dentro da nuvem e a única alternativa que me resta é caminhar, pois cair para baixo pelo buraco onde entrei já me parece muito absurdo. Ao longo da minha caminhada sou surpreendido por trovões ensurdecedores e seus raios cegantes, que percebo, depois de me habituar a esses fenômenos, que eles não passam de seres surreais presos numa dança eterna e destrutiva, mas que não deixa de ser bela. As horas viram dias, que viram semanas, que por sua vez já são meses e minha caminhada ininterrupta já gastou todo o meu calçado e a estrada de granizo agora devora a sola de meus pés. 

A pés sangrentos chego a uma encruzilhada e fico dividido entre dois caminhos: um é escuro e remete ao infinito do cosmos e dele saem as vozes dos meus demônios da infância que sussurravam atrocidades em meus ouvidos; o outro caminho é uma queda livre que termina num oceano de sangue, habitado por criaturas feitas de ossadas humanas que anseiam pela minha carne.

Frente a minha dúvida a dança perpétua dos seres ruidosos e cegantes recomeça e como que por pura magia eu capturo um raio com as mãos e tomo minha derradeira decisão, rumando para a caverna dos sussurros saudosos e demoníacos, usando minha arma olimpiana como única fonte de luz e proteção. O que será que há no âmbito deste caminho? Acho que cabe a mim, o peregrino dos pés sangrentos, descobrir.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

E eu ainda espero a chuva cair sobre mim


 Hoje é um daqueles dias em que o tédio me absorve. Sem absolutamente nada pra fazer, eu tenho vontade de gritar o mais alto possível pra ver se essa vontade de pular da varanda do segundo andar passa. Às vezes eu me sinto cinza como o céu de um dia chuvoso de meados de janeiro, quando o Sol dá uma trégua e os trovões tomam o lugar do canto dos pássaros da estação. Na minha mente os trovões rugem todo o tempo e o Sol está sempre encoberto por nuvens carregadas, mas nunca chove. Nem mesmo uma única maldita gota cai das nuvens escuras.

Eu queria que chovesse no solo fértil da minha mente e fizesse florescer todas as coisas que eu ainda não senti e nem pensei. Quem sabe uma só gota não faz nascer em mim a maturidade que vejo em meus amigos que seguem com suas vidas sozinhos e que dão a cara a tapa pro mundo. Assim como os poucos pássaros voando nos céus deste dia chuvoso, se arriscando à molhar as asas e sem medo de que isso possa derrubá-los.

Que o céu continue a derramar suas lágrimas de chuva e molhar a terra da rua de frente pra casa da minha vó, terra que eu tanto pisei e que agora vira lama. E agora o único som que eu pretendo ouvir é o rugir feroz e ensurdecedor dos trovões que com seus raios rasgam o céu cinzento lançando flashes de luz branca na terra coberta pela penumbra das nuvens. Meu desejo é que o Sol continue escondido atrás das nuvens e que chova eternamente.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

The Night and I

A noite me contém e me preenche. A lua me dá força. O céu noturno reflete a minha alma e eu abraço a escuridão como se fôssemos amantes. E se a escuridão fosse personificada em ser humano, nossos corpos se entrelaçariam enquanto fosse noite e reinassem as trevas e a decadência.

Quisera eu ser como as criaturas noturnas e mitológicas criadas por almas solitárias e taciturnas como a minha. Quem me dera atingir o ápice de minhas faculdades sob o reino da deusa lunar, Diana.
Tudo que carrego dentro de mim são as ruínas e os resquícios da felicidade que tanto saboreei quando mais jovem. E nessas ruínas impregnadas de nostalgia, ressentimento e resignação eu pretendo permanecer enquanto durar a minha alma. Existirei para alimentar meu ódio com o medo e a insegurança alheia.

A noite é minha mãe, minha irmã, minha amiga, minha deusa, e minha amante e eu serei seu consorte por toda a eternidade. E até que a escuridão consuma o mundo semearei a discórdia e o caos, sempre ao pés de Diana e ao som da serenata da auto-destruição.